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Sustentar dimensões não é fácil, Luiz Queiroz

Jumpdafuckup (1)

Nos trabalhos que compõem “Sustentar dimensões não é fácil”, primeira exposição individual de Luiz Queiroz no Projeto Vênus, existe o delinear de um tempo misterioso e cortante, que se materializa através de decisões gráficas, pictóricas e, talvez, cirúrgicas sobre a borracha. Há um olhar que mira para a escrita cuneiforme criada pelos Sumérios em 320 a.C e os hieróglifos; para os antigos rituais de iniciação durante o equinócio no extremo Norte do planeta, corpos moventes dentro da natureza em conexão à violenta vontade dos deuses e entidades que a habitam; existe o desejo bacante da carne, existem as máscaras rituais do povo Lego. 

Percebo na produção de Luiz Queiroz uma ousadia e talvez afronta a quem deseje categorizar o seu trabalho dentro das facilidades da linguagem. O artista traz esse fator nas próprias escolhas plásticas e materiais, nas quais a imagem não é gerada a partir do papel ou da tela em branco, mas do mais denso preto presente na borracha, que é o suporte escolhido para a criação de grande parte de seus trabalhos. A técnica adotada por Luiz com a utilização de goivas vem da gravura, em especial da xilogravura, se desprende do caráter etéreo que este tipo de construção artística almejou por séculos ao admitir o vestígio e a entintagem não uniforme, que, no caso do artista, é responsável por colorir o suporte e não de gerar tiragens. Quando existe a possibilidade da impressão, não existirão cópias idênticas ou uma gravura limpa e agradável à contemplação. 

A palatabilidade não é um desejo dos trabalhos, bem como o enfrentamento é algo presente no uso da matéria, já que a borracha impõe uma movimentação firme para a criação de incisões. O enfrentamento está presente também nas referências visuais e sonoras do artista, provenientes da plasticidade mórbida dos filmes de terror de diversos períodos do cinema, da estética e da sonoridade do rock’n’roll e do mais denso heavy metal, representados por camisas, videoclipes e capas de discos. Não é possível assistir a um show de heavy metal sentado em uma poltrona.

Como numa roda de pogo ou moshpit (2), a construção das imagens acontece por

meio de intensas e certeiras movimentações da goiva sobre a borracha e da mesma

maneira em que numa roda punk o encontro dos corpos acontece por conta da música, os segmentos das linhas que formam as imagens, acontecem por meio do desenho, grande base para a produção de Luiz. 

“Sustentar dimensões não é fácil” (e, de fato, não deve ser) é um convite para estabelecermos a qualidade da presença, bem como em diversos rituais de diferentes culturas. É a partir da presença, contato e aglomeração que o moshpit se dá, ele não pode acontecer em isolamento ou em silêncio. Não existe isolamento nos trabalhos do artista, ele une uma série de acontecimentos que nos revelam de partes de corpos a momentos de plena abstração e, se escolhermos seguir o trajeto de um dos sulcos no suporte, possivelmente nos perderemos num desejo falacioso de encontrar algum começo ou fim e, assim como numa roda punk, não é possível entrar e sair pelo mesmo lado sem o atrito, sem esbarrar com outro corpo, sem confronto. 

 

O pogo não é uma coisa só, é a amálgama do movimento, do som, do desejo mútuo de estar em contato. A produção de Luiz não é uma coisa só, é a amálgama do movimento, do som, do desejo mútuo de estar em contato, da gravura, do desenho, da pintura, onde tudo é acolhido pelo suporte de maneira vigorosa, absorvendo desvios, mas nunca de maneira irracional. Para que todos os acontecimentos presentes em cada trabalho possam acontecer, existe um direcionamento e uma organização. 

 

No decorrer desta escrita, não houve desejo e muito menos a possibilidade de inserir o trabalho de Luiz em algum termo ou substantivo para categorizar e facilitar sua presença através da linguagem. Essa saída seria mais simples, mas ao mesmo tempo errônea, pois através de uma comunicação besuntada pela palavra e por termos, diminuímos as possibilidades do atrito, e é nele que residem as relações e a própria ideia de arte.

Cadu Gonçalves

(1)  Jumpdafuckup é o título de uma das faixas do álbum Primitive (2000) da banda de groove metal Soulfly, criada pelo músico brasileiro Max Cavalera.

(2) O moshpit possui uma dinâmica corporal diferenciada, pois é realizado com bastante agressividade e vigorosidade durante sua execução. Dentre essas dinâmicas corporais, é possível salientar as mais executadas, são elas: o headbang, que é o ato de movimentar a cabeça para frente e para trás, o slam dancing, o stage diving que é o ato de saltar do palco ou de lugares altos, o crowd surfing que é o ato de conduzir uma pessoa com as mãos, o circle pit que é conhecido também como roda (roda de pogo ou roda punk) onde os fãs vão se movimentando em um mesmo sentido e executando contatos corporais como o próprio slam dancing e também socos e chutes e o wall of death que é quando a plateia se separa em dois grupos diferentes e depois se confronta ao centro formando um grupo só [...]. MONTEIRO, L. Sangue e suor: a performance do moshpit. In: Seminário de pesquisa de performances culturais: interlocuções. 2017. Disponível em: https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/819/o/resumoLucasl.pdf. Acesso em: 17 jan. 2023.

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