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Futuro fóssil, Noara Quintana

Noara Quintana iniciou sua pesquisa para a instalação Futuro Fóssil a partir de sua residência em Londres na Delphina Foundation, no início de 2023. O trabalho se desdobra de suas pesquisas anteriores sobre o processo colonial por meio do movimento estético do Art Nouveau na região da Amazônia no final do século XIX e início de século XX. Se na primeira pesquisa Quintana estudou os padrões da flora e fauna retirados da Amazônia por meio das trocas do comércio imperial que ligavam o Brasil, a Europa, e o sudeste asiático, e que voltavam a Belém do Pará, na foz do Rio Amazonas, por ocasião do boom econômico do ciclo da borracha, transformados como produtos culturais estetizados na arquitetura e mobiliário Art Nouveau; aqui ela retrocede um pouco mais no tempo, mais precisamente para 1851 na Grande Exposição das Industrias de Todas as Nações, abrigada na revolucionária estrutura de ferro e vidro do Crystal Palace, especialmente construído para o evento, no Hyde Park em Londres.

 

As três esculturas que compõem Futuro Fóssil são feitas de borracha industrial, grafite, seda pura, pigmento fluorescente e alumínio, mimetizando a estrutura esquelética de ferro e vidro do palácio evocando a relação entre a promessa de um futuro tecnológico da indústria, no uso original do palácio propagada pela grande exposição de 1851, e o início das pesquisas científicas, no uso subsequente do palácio como veremos abaixo, que dariam origem à história paleológica.

 

Nos vazios das estruturas de alumínio, pigmento fluorescente e grafite aplicados sobre a borracha industrial e seda pura reproduz desenhos de dinossauros, satélites da Starlink e o Tesla do Elon Musk, assim como máquinas de mineração de metais preciosos, contrapondo o processo de extinção à promessa de um futuro de alta tecnologia limpa que produz controle total das informações e dos movimentos dos seres vivos em qualquer ponto do globo, ao mesmo tempo em que produzem uma escalada de lixo industrial não só na Terra como também no espaço.

O Crystal Palace foi desenhado pelo botânico e arquiteto Joseph Paxton. Paxton era reconhecido como um dos maiores botânicos do Reino Unido. O desenho de ferro esquelético, foi inspirado no estudo da estrutura de sustentação da Vitória Régia, planta amazônica batizada pelos europeus com o nome da Rainha Vitória, a então regente do processo imperial em curso que era celebrado na Grande Exposição. A estrutura era tão suntuosa em sua escala que ela se assemelhava a de St. Pauls Cathedral, ligando assim a tecnologia e entretenimento ao poder da Igreja e do Estado por meio de uma planta amazônica. Finalmente, Paxton ainda adaptou a estrutura do Crystal Palace para construir a primeira estufa que abrigou a própria Vitória Régia, fechando o ciclo colonial fazendo da planta amazônica uma peça de museu para ser consumida pelo pelos visitantes ingleses.

 

Após o sucesso da Grande Exposição, a estrutura foi inteiramente transplantada de forma permanente para Sydham onde abrigava uma espécie de museu de curiosidade e os fósseis de dinossauros que estava começando a ser descobertos e estudados. Em 1936 o palácio foi completamente destruído por um incêndio, sobrando apenas os fósseis que conseguiram resistir ao fogo.

 

Em Futuro Fóssil, um título que une o futuro ao processo de extinção, processo este geralmente pensado como pretérito, Noara Quintana expande seu campo de pesquisas, se inserindo no centro do processo colonial, no locus de transformação do centro a partir do que era roubado do sul global em nome da ciência e transformado em armas estéticas de opressão colonial. A instalação dá visibilidade a um processo que continua no presente e se expande para o futuro.  

 

Ricardo Sardenberg

Curador

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